Doação eleitoral: TSE decidirá sobre sigilo de dados, e preocupa organizações

Diante da aproximação das eleições, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) está analisando a aplicação da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) no cenário eleitoral. As organizações que são a favor da transparência de informações públicas temem retrocesso caso o TSE decida favoravelmente acerca do sigilo sobre dados de doadores eleitorais e de pessoas que prestem serviços para campanhas políticas.

A corte instituiu uma equipe de trabalho e tem recebido sugestões quanto ao assunto. O julgamento em plenário ainda não possui prazo.

As organizações que compõem o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas se alertaram com a ausência de decisão sobre o tema. No dia 16 de fevereiro de 2022, as organizações tiveram uma audiência com o atual relator do caso, ministro Edson Fachin.

Durante o encontro, foi relatada a preocupação de que uma determinada interpretação da LGPD por parte da corte acarrete em privilegio a proteção de dados pessoais contrário a transparência, que é um princípio da LAI (Lei de Acesso à Informação). Segundo a Lei, a publicidade dever ser a regra, e o sigilo, a exceção. As organizações avaliam que seria um retrocesso.

Para Marcelo Issa, advogado da Transparência Partidária, os dados sobre os doadores são de interesse público. “É fundamental para um voto consciente o eleitor ter conhecimento de quem são os financiadores de uma candidatura“, defende.

O advogado diz também que a divulgação desses dados possibilita que haja identificação dos doadores e prestadores de serviços e que isso contribui para o controle social exercido pela imprensa e pela sociedade civil.

É um papel auxiliar em relação aos órgãos oficiais no que se refere à pesquisa de indícios de irregularidades no financiamento eleitoral, por exemplo. Indícios esses que nem sempre viriam à tona se não fosse esse trabalho“, acrescenta.

Visto que a LGPD não possui nenhuma norma específica sobre as doações eleitorais, a responsabilidade da decisão sobre o conflito entre privacidade e interesse público fica a cargo do TSE.

O Tribunal declarou, através da assessoria de imprensa, que a transparência dos dados de interesse público ou coletivo tem regulamento pela LAI e que a LGPD trata de dados pessoais.

Cada uma tem um âmbito de atuação. (…) O TSE entende que a LAI e a LGPD devem ser interpretadas em conjunto, de forma sistemática e à luz da Constituição.”

Permanece válida a publicidade das últimas eleições, quanto não há a decisão sobre essa interpretação.
O STF (Supremo Tribunal Federal) já determinou que é legal a divulgação de salários de servidores na internet.

Juliana Sakai, da Transparência Brasil, comenta que isso pode ser usado para contribuir com o debate sobre dados de doadores. “Se por acaso os dados não forem mais abertos, a gente não vai mais conseguir rastrear como os doadores estão se movimentando, para onde está indo o dinheiro de quem. Não vai ser possível enxergar as autodoações. Não vai dar para saber se a pessoa está respeitando as restrições legais“.

De acordo com a Lei Eleitoral, os partidos devem divulgar nome e CPF dos colaboradores e os valores que foram utilizados. Além disso, a Lei determina um limite de 10% dos rendimentos brutos do doador no ano anterior ao do pleito.

Por outro lado, a LGPD qualifica como dados sensíveis as informações referentes a filiação de partidos. Levando isso em consideração, em 2021, o TSE decidiu remover as bases de dados que continham essas informações.

No ocorrido, Simone Trento, juíza auxiliar do TSE, informou que uma quantidade considerável de pessoas relatou ao tribunal que haviam sido desconsiderados em oportunidades profissionais em função de sua filiação a determinado partido.

A medida é considerada um equívoco para Sakai e Issa, pois oculta informações significativas para análises sobre partidos políticos. Ambos defendem que a medida seja reavaliada.

Já para a advogada Ana Tereza Basilio, presidente do Ibradados (Instituto Brasileiro de Estudos em Proteção de Dados), não deve haver uma reavaliação. Segundo a advogada, os dados sobre filiação partidária só podem ser disponibilizados com a autorização do detentor.

Ainda, para Basilio, que foi juíza do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, se ocorre a divulgação indiscriminada dos doadores de campanhas, dados que são classificados como sensíveis pela LGPD seriam expostos. “Creio que haverá uma mudança procedimental no tratamento dos dados, mas sem deixar de atender ao princípio da transparência“.

Basilio destaca que a publicidade dos patrocínios de campanhas é um avanço para a democracia e afirma que o sigilo não necessariamente compromete a transparência. “O desafio agora é encontrar um ponto de equilíbrio entre a preservação dos dados sensíveis das pessoas e a transparência nas eleições“, diz.

É certo que as estruturas necessárias para a fiscalização do processo eleitoral, como tribunais eleitorais, continuarão tendo acesso aos dados e fiscalizando o processo de financiamento“, acrescenta.

O professor da FGV-Ebape (Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas do Rio de Janeiro), Gregort Michener, fala que, nesse conflito entre o direito de saber quem está patrocinando candidaturas e o direito à privacidade, buscar uma solução de sigilo completo ou de transparência absoluta não é o melhor caminho.

A solução encontrada no Canadá, por exemplo, é que uma doação acima de C$ 200 [cerca de R$ 800] implica transparência pública. Abaixo dessa quantia, fica privada“, informa Michener.

Outra alternativa, segundo o professor, é estabelecer um teto com opções de publicidade:
a) transparência de nome; b) transparência de CPF; c) nenhuma transparência.

Dessa maneira, os órgãos que controlam teriam uma média da transparência entre os partidos e seriam capazes de serem mais rígidos com aqueles que estivessem muito fora do padrão. Michener ainda cita a transparência voluntaria como uma opção. “Muitos querem ser reconhecidos por sua doação. Não podemos assumir que todo mundo prefira a privacidade.

Fonte: Folha de S. Paulo 

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