Brasileiros sofrem 208 golpes por hora; alta é de 37,9%

O Brasil registrou 208 golpes por hora em 2022. Foram 1,8 milhão de ocorrências de estelionato no país — uma alta de 37,9% em relação a 2021. Os dados fazem parte da 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e divulgado hoje.

O que se sabe sobre o “crime da moda”

  • O total de estelionatos registrado no ano passado foi de 1.819.409. Em 2021, foram 1.312.964 registros. Nos últimos cinco anos, a ocorrência desse tipo de crime cresceu 326,3% — em 2018, houve 426.779 casos.
  • O cenário pode ser ainda mais grave, segundo os pesquisadores. Os estelionatos em meio eletrônicos somaram 200.322 ocorrências no ano passado — um aumento de 65,4% em relação às ocorrências de 2021.
  • Os estados com maior taxa de crimes de estelionatos por 100 mil habitantes no ano passado foram Distrito Federal, com 1.832,3, São Paulo, com 1.437,7, e Santa Catarina, com 1.249,7. As unidades da federação com menor taxa são Paraíba, com 142,6, Maranhão, com 222,1 e Amazonas, com 390,7.
  • Os dados sobre estelionatos em meio eletrônicos não foram disponibilizados por cinco estados. Bahia, Ceará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo não informaram a qualidade desagregada de registros.

O que explica o crescimento

  • O crescimento indica uma reconfiguração dos crimes patrimoniais. “A partir de 2020, 2021, há uma migração para o ambiente híbrido [com estelionatos e golpes virtuais]. A vida das pessoas, que tinha componentes analógicos, passou a ter cada vez mais serviços por aplicativos”, afirma Renato Sérgio de Lima, diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
  • O crime de estelionato consiste em obter para si ou para outra pessoa uma vantagem ilícita, na maioria das vezes, em dinheiro — está previsto no artigo 171 do Código Penal. Segundo Lima, os estelionatos por meio das redes sociais e aplicativos de mensagens tiveram um crescimento exponencial em vários países do mundo.
  • A intensificação do uso da internet e das redes sociais durante a pandemia de covid-19 é um dos fatores que explica o aumento, gerando oportunidades para atuação criminosa.
  • O crime de fraude eletrônica foi tipificado, em 2021, para os casos em que é cometido com o uso de informações fornecidas pela vítima induzida ao erro. Os golpes ocorrem por meio de redes sociais, contatos telefônicos ou envio de e-mail fraudulento.

Brasileiros expostos

  • A tendência de aumento de golpes eletrônicos também foi percebida pelo presidente da Comissão de Privacidade, Proteção de Dados e Inteligência Artifical da OAB de São Paulo, Solano de Camargo. “Esse aumento se deu com a digitalização forçada da humanidade. Isso aumentou a vulnerabilidade das pessoas em transações online.”
  • Os brasileiros estão superexpostos a golpes eletrônicos. “A prática explodiu em todo o mundo, mas nós ficamos mais tempo nas redes sociais, nos aplicativos de comunicação.”
  • Os golpes mais comuns são clonagem de Whatsapp, boletos falsos com códigos de barras alterados, fraudes bancárias, sites fraudulentos, falsos anúncios ou leilões, sequestros de dados, golpe do amor, crimes contra a honra e sextorsão [ameaça de divulgação de vídeos íntimos].
  • Os golpes variam conforme a época do ano. “Normalmente, ocorrem quando têm programas do governo, em épocas de restituição do imposto de renda, campanhas de renegociações de dívidas ou programas de crédito consignado.”

A previsão da fraude eletrônica em lei foi uma tentativa de dar uma resposta ao crescimento vertiginoso das práticas criminosas por meio das redes sociais e aplicativos de mensagem

– Renato Sérgio de Lima, diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Golpe da transferência

  • Uma mulher, auxiliar de produção, moradora de Taubaté, em São Paulo, que preferiu não divulgar o nome, foi vítima do golpe eletrônico da falsa transferência. Enquanto ia ao mercado, ela conta que uma pessoa se passou por sua filha e pediu dinheiro pelo Whatsapp. “Acreditei porque minha filha não mora comigo e a pessoa até mandou foto na loja de conserto do celular.”
  • A mulher afirma que o golpista se passou pela filha dela e pediu inicialmente R$ 200 para consertar o celular. “Eu tinha certeza que era minha filha. Não tinha o dinheiro na conta, mas a pessoa disse que pagaria no dia seguinte. Então, fiz.”
  • O golpista continuou pedindo transferências. “A pessoa disse que não compensaria consertar o celular e teria que comprar um novo aparelho. Pediu mais R$ 400”, afirma. A mulher afirma que como não tinha o valor, teve que usar dinheiro da conta do namorado.
  • No total, a mulher transferiu R$ 1.700 para o golpista. “Só no dia seguinte, minha filha mandou uma mensagem aleatória para a irmã e no meio da conversa desmentiu que havia feito o pedido de transferência.”
  • Assim que descobriu ter caído em um golpes, a auxiliar de produção entrou em contato com o banco do qual transferiu dinheiro e fez um boletim de ocorrência. Mas, ela não conseguiu recuperar o valor.

Entraves na investigação

  • A migração de crimes para o ambiente virtual impõe novas dificuldades no processo de apuração dos delitos. “Um crescimento da ordem de 300% desafia a lógica de trabalho de qualquer organização, que dirá das Polícias Civis brasileiras, que há anos, vem sendo sucateadas, com efetivos reduzidos e envelhecidos”, afirma o diretor do FBSP.
  • As formas mais comuns de estelionato eletrônico são os golpes do falso intermediário e de anúncios clonados. “Os estelionatários fazem todo o intermédio entre os falsos anunciantes e os verdadeiros compradores, enganam as vítimas e obtém as vantagens econômicas”, afirma Túlio Bueno de Alckmin Morais, diretor do sindicato dos Delegados de Polícia de São Paulo.
  • A formação dos policiais envolvidos é outra barreira imposta às investigações. “A qualificação exige cursos de especialização porque as habilidades necessárias a esses profissionais são diferentes das comumente ensinadas nas academias de polícia para casos de homicídio ou roubo.”
  • A desterritorialização dos crimes de estelionato também impõe dificuldades às polícias. “A vítima faz o boletim de ocorrência em um estado e a investigação aponta que o endereço de IP é de outro. É necessária uma carta de cooperação entre as polícias para o avanço das investigações.”
  • A falta de integração das polícias impede a celeridade das investigações, aponta Morais. “Se preciso ouvir um investigado em um estado, preciso enviar uma carta precatória. Não é um procedimento rápido. Pela questão territorial tudo fica mais complexo.”
  • O processo de migração dos crimes do espaço físico para o digital criou uma oportunidade para essa modalidade de crime. “Se nada for feito, isso tende a crescer, depende da capacidade de criação e articulação de políticas públicas.”

 

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