LGPD e finalização de sentenças: casos dobram em cinco anos

Um levantamento oferecido pela terceira edição do Painel LGPD nos tribunais, feito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) e o Jusbrasil, com o suporte do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), da Organização das Nações Unidas (ONU), revelou um aumento no número de decisões judiciais que utilizam a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) como base.

De acordo com os dados, durante os anos de 2022 e 2023 a quantidade de casos que levam em consideração a LGPD foi de 665 para 1206. Durante o ano de 2021 as decisões chegaram a 274.

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Para Laura Schertel Mendes, diretora do Centro de Direito, Internet e Sociedade (CEDIS) do IDP e coordenadora do projeto LGPD nos Tribunais, o aumento é explicado pela maturidade da legislação que completou cinco anos de vigência. 

Ela reforça que “a LGPD tem criado raízes, ficando cada vez mais efetiva, tem ganhado amadurecimento. O Judiciário tem percebido como ela pode, sim, auxiliar na solução de muitos problemas. Então, neste período, acho que o cidadão tem buscado o exercício de seus direitos, amparado na LGPD e, por outro lado, o próprio Judiciário tem respondido e trazido, cada vez mais, a LGPD como um dos aspectos centrais da sentença para a solução de casos.”

Danos aos titulares

A Lei Geral de Proteção de Dados está presente há cinco anos e em vigor há três anos oferecendo regras para o armazenamento, compartilhamento e coletada adequada das informações pessoais e sensíveis dos titulares. Algumas consequências tendem a ocorrer quando informações pessoais são divulgadas sem permissão, prejudicando especialmente os titulares que passam a ficar expostos. 

Esses danos tendem a ser o motivo para os pedidos de reparação material e moral feitos à Justiça e incentivado a cobrança pela responsabilização civil por acidentes que expõem dados. Um dos perigos do vazamento está relacionado à identidade e nos furtos que ocorrem quando um criminoso utiliza dos dados para fingir ser o titular. A ação leva os fraudadores a realizarem ações a exemplo da finalização de contratos para fraudes bancárias. 

Outro ponto destacado por Mendes são os danos imateriais. De acordo com a diretora, “este é o dano de quando a pessoa tem esses dados vazados e ocorre quando ela não sabe, no futuro, se vai sofrer algum tipo de prejuízo ou se estes dados poderão ser usados em algum outro momento. Há a incerteza sobre em que contexto esses dados poderão ser empregados“.

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Casos recentes

O levantamento ainda revela que, os casos que possuem a LGPD como base são em maioria da área de Direito do Consumidor, Direito do Trabalho e Direito Civil. Mendes ainda destaca que a temática mais recorrente está voltada para o pedido de provas digitais de geolocalização em ações trabalhistas.

Muitas vezes, sejam eles os trabalhadores, sejam eles os empregadores, pedem o acesso à Justiça do Trabalho para que os dados de geolocalização sejam coletados para fins de prova em processos trabalhistas, nas reclamações trabalhistas“, pontua. 

Já para a coordenadora científica do estudo e pesquisadora, Mônica Fujimoto, que em grande parte das negativas desses pedidos são visualizadas outras provas “menos invasivas à intimidade e à proteção constitucional aos dados pessoais”.

O estudo também revelou que durante o ano de 2023, a lei foi utilizada para contestação de escolhas automatizadas feitas por aplicativos de transporte. “Sabemos que os aplicativos de transporte têm uma relevância social, cada vez maior, e muitas pessoas têm aquela disputa, aquela controvérsia, aquela discussão trabalhista sobre qual que é o vínculo daquela pessoa, do motorista com o aplicativo. Se essa é uma relação trabalhista ou não“, completa Mendes. 

Para as ocasiões onde acontecem as decisões automatizadas, alguns titulares buscam o artigo 20 da lei que oferece respaldo para que o cliente entenda os motivos para a escolha que foi previamente feita baseando-se no tratamento computadorizado de dados. Essas ações acabam impactando os titulares e seus interesses. 

Um exemplo de contestação baseada em decisões automatizadas é a reprovação de crédito de compra, um tópico que pode ser levantado pelo consumidor e o pedido de revisão, nestes casos, precisa ser enviado à instituição. 

Não obstante, recentemente notou-se que o Judiciário não tem considerado o artigo uma garantia durante o debate contratual ou trabalhista. Laura ainda destacou que “nessas decisões, a gente perde a oportunidade de aplicar de fato ou de compreender qual que é a lógica e o fundamento de um artigo muito importante da Lei Geral de Proteção de Dados. Porque, de fato, é um direito do titular dos dados conhecer os critérios das decisões automatizadas, se ele foi submetido a uma decisão.”

Além disso, é válido ressaltar como a LGPD ofereceu novos instrumentos para o direito e revelou os desafios. “A gente ainda não descobriu todos esses instrumentos, a gente não percebeu o potencial de todos esses seus dispositivos. Acho que é um processo natural para que a gente possa criar uma cultura no Brasil, uma cultura de proteção de dados, com esses cinco anos da edição da Lei Geral de Proteção de Dados.”, reforça Mendes. 

E dessa cultura, fazem parte os tribunais, a sociedade civil, as empresas, o próprio Estado brasileiro. Cada vez mais vamos perceber que a lei traz, sim, instrumentos modernos, eficazes e úteis para solucionar muitos dos problemas e conflitos novos e desafiadores que o cidadão brasileiro pode ver na nossa sociedade“, finaliza. 

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Dados pessoais

São dados pessoais, de acordo com a lei, informações como e-mail, idade, endereço e nome. Os dados sensíveis, de outro lado, são aqueles voltados para orientação sexual, informações sobre saúde, raça e mais. 

A diretora recomenda aos titulares para que “sempre pense muito bem como quer se expor na internet. A gente faz isso de muitas formas, por meio de fotos, por meio de aplicativos. Muitas vezes, a gente expõe também nossos familiares, nossos filhos. Mas será que essa pessoa, esse familiar, esse meu filho, quer, de fato, essa exposição no futuro?

É importante que os usuários se preocupem com a inscrição e preenchimento de formulários. Laura reforça para os usuários a necessidade de atuar de maneira prévia em relação às fraudes para que sejam evitados os casos de vazamentos.   

Considere os dados que está compartilhando e com quem. Pense muito bem se você quer autorizar o uso de cookies, no seu computador. Hoje, a gente tem uma responsabilidade, sim, pela gestão dos nossos dados. Isso é fundamental“, pontua Mendes. 

Outro ponto revelado pela lei é a responsabilidade que controladores, empresas e Estado possuem de serem transparentes diante de suas ações. 

No sentido de que existe um direito à proteção de dados, o tratamento precisa ser transparente. É preciso permitir que o titular possa exercer todos os seus direitos relacionados ao acesso, retificação e cancelamento de dados, e principalmente, eu acho que trazer mais um direito: a transparência para toda essa relação“, finaliza Mendes.

Levantamento

130 pesquisadores ajudaram a realizar o estudo e mais de 7500 documentos foram checados para a obtenção dos resultados. Os arquivos foram obtidos através de algoritmos desenvolvidos pelo time do Jusbrasil.

Os dados acessados são de acesso público e foram encontrados nas páginas de pesquisa de jurisprudência do Poder Judiciário e em alguns Diários Oficiais eletrônicos. A pesquisa completa será divulgada no primeiro trimestre de 2024. 

Fonte: Agência Brasil

Autor(a): Daniella Almeida

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